terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Biografia "Mário Soares - Uma Vida"

Excertos da biografia de Mário Soares - Uma Vida
de Joaquim Vieira - A Esfera dos Livros



«O meu pai tentou pôr o carro a funcionar e não arrancou. (...) Ele dirigiu-se ao pide de vigilância e disse-lhe: "Olhe, o meu carro não pega, eu tenho de ir receber o telefonema da minha mulher; como de qualquer maneira você tem de ir no seu carro, nós vamos os dois." E o tipo ficou completamente estupefacto, meio atarantado: "Está bem, senhor doutor." Mas logo a seguir apanhou uma reprimenda, e acho que foi retirado do serviço.»
p.181

25 de Abril de 74, em Paris
«O próprio estatuto de Soares na sua rua mudou num instante, tanto perante o porteiro do seu prédio (...), até à padeira: "(...) A padeira sabia que eu era português, mas embirrava comigo porque a filha andava embeiçada por um pedreiro português que a mulher achava uma besta. (...) Ao chegar lá a meio da tarde do dia 25, vejo a televisão a entrevistar a padeira, que estava a dizer que tinha muito orgulho em ter um neto filho de um português. Ralho com ela: "Então você embirra com os portugueses...". Ela começa a tratar-me: "Ó senhor doutor." E eu ríspido com a mulher, com os jornalistas todos a rirem.»
p.284

«Nunca me esqueço de que, uma vez, à saída de uma reunião, encontrei alguém que me contou que "a sua adesão ao PS lhe fora recusada com o argumento de que era doutor". E, pior, teriam acrescentado: "Se é doutor, vá para o PPD; o PS não é um partido de doutores." Isto repetiu-se em vários lugares. Fiquei preocupadíssimo! Queriam que o PS deixasse que os doutores fossem todos para o PPD e ficasse com os ignorantes?»
p.340

«(...) às tantas vimos um local cheio de luzes, e gente cá fora e pensámos que era ali. Abri a porta e comecei a falar de cima do carro: "Olá, camaradas." Mas era um comício do CDS ou do género. Levei com um ovo na testa, atirado por uma mulher, e fiquei com o fato cheio de ovo, no meio de insultos. "Sai daqui o mais depressa possível", disse à minha filha. Fomos para o meu comício, que era maior.»
p.399

«Fez-se a política da austeridade, sabendo de antemão que era tremendamente impopular, embora imprescindível. E, efetivamente, fez-se sangue. Não se podem comer omeletas sem, primeiro, partir os ovos (...). O poder de compra diminuiu, houve salários em atraso, contratos a prazo, falências... Era inevitável. Mas a verdade é que não havia outro caminho.»
p.513

«Cavaco Silva comentara antes à imprensa que aquela ia ser uma reunião "de trabalho" e não "de flores".
(...) Deve ter sido uma ideia do António Campos (...) "Ó Mário, com a história das flores, vamos encher aquilo." E o Soares: "Boa ideia, porreiro."
Todo o percurso de Cavaco no interior da sede do PS estava com efeito pejado de flores, o que ele não deixaria de notar. "Quando passei a porta da entrada, fiquei surpreendido ao ver vasos de arbustos e de flores por todo o lado, o que dificultava mesmo a movimentação das pessoas. Percebi que se tratava de uma brincadeira do PS em relação à minha pessoa."»
p.537

«(...) tendo no seu discurso o secretário-geral comunista proferido um apelo que ficaria célebre: "Se for caso disso, não leiam o nome de Soares, não olhem para o seu retrato. Marquem a cruz do voto no quadrado que está à frente desse nome...". Para a História, ficaria também a imagem de uma eleitora comunista, entrevistada na rua pela televisão, a dizer que já andava a tomar "sais de frutos" para engolir o "sapo" Soares.»
p.564

«Um dia chego à Comissão Nacional [do PS], ele era primeiro-ministro, e eu disse-lhe num corredor do Rato: "A vida esta difícil, isto é um recomeço." E ele: "Ó Arnaut, mas francamente, não tens necessidade disso, há para aí tanto lugar. Vou arranjar-te um lugar de presidente de uma empresa pública." (...) Não aceitei, evidentemente (...).»
p.573

«Andreotti, que é alguém de primeira ordem e inteligência, não era de roubar nada, mas era talvez como aquelas pessoas que quando veem certas coisas querem guardá-las como recordações. Eu estava a jantar (...) com ele e uma série de individualidades (...), e vem um criado de libré: "Ó senhor presidente, aquele marreco que ali está acaba de roubar um garfo. Que é que eu faço?" "Você não faz absolutamente nada (...)" Que é que eu ia fazer? Agora um escândalo com o Andreotti? Resta saber se era verdade, ninguém se queixou.»
p.688

"Mário Soares - Uma Vida" de Joaquim Vieira, no site de A Esfera dos Livros

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